partir, voltar e repartir

Eu sempre admirei pessoas generosas e desprendidas com relação ao dinheiro. Isso porque nunca dispus de muito, de modo que sim, eu era meio mão de vaca. Me lembro de certa vez uma amiga da minha mãe ter me perguntado se eu deixaria de comer alguma coisa para comprar outra, decerto uma futilidade, que faria sentido em minha adolescência, fase da vida na qual eu me encontrava e, pois é, sim, eu deixaria. 

Mas como não, né? A gente quer sair. A gente quer participar. A gente quer viver. Eu queria. 

Eu pegava as roupas da minha mãe emprestadas para sair e dava um jeito de elas não parecerem tão senhoris. Tomava, na balada, quando não open, no máximo duas smirnoff ices, já estava de bom tamanho para a minha idade e, principalmente, para o meu bolso. 

Também foi marcante o dia em que eu, Tiago, Lucão e Thaisinha dividimos um sorvete ou dois, porque todos juntos, dispunhamos de muito pouco na época para pagar um para cada. Para poder ficar sentados lá, conversando. Duas casquinhas. Ou uma. Para quatro pessoas. 

Me lembro de minha amiga Ana Rita, na faculdade, que comprava salgado para dar aos cachorros que ela via pelo campus. Eu achava isso uma lindeza. E quantas vezes me envergonhei quando os pais de amigas minhas pagavam a conta toda nos lugares. Eu fazia as contas certinhas pra pagar o que eu devia, toda uma matemática. E tcharãm! Conta paga! Obviamente, eu ficava feliz, mas com a cara ardendo de vergonha. E quando minhas amigas falavam preu ficar lá em Araraquara, que elas me emprestavam e depois eu pagava? Isso me mortificava, é claro, mas também me comovia. Elas realmente faziam questão da minha presença. 

Certa vez, numa dessas, falei para a Carol me emprestar somente, sei lá, três reais, porque eu tinha o suficiente para completar a passagem do ônibus no dia seguinte. Qual o quê! Tinha feito as contas erradas. Só sei que faltava um real para que eu pudesse embarcar. E, naquele momento de vergonha, procurando em todos os meus bolsos uma moedinha-anja que fosse, uma mão, nunca me esqueço, uma mão flutuante, do além, mágica, apareceu e deu a moeda que faltava ao motorista. Era um jovem, um pouco mais velho do que eu. E eu o agradeci quase chorando. E até hoje o agradeço. Sim, sério.  

Não foram poucas as vezes em que fui ajudada. Não me lembro de todas. Mas lembro que sim. Passei inúmeras vezes pela sensação de cu na mão de dinheiro contado e de alguém me ajudar muito desprendidamente, como se fosse nada, e para mim era tudo. Tudo. Como eu me comovia! E quando eu ganhava presentes, então? Sempre lindíssimos presentes. Eu também queria dar presentes à altura do que meus amigos mereciam, mas simplesmente não podia. E passava vergonha dando coisas de que talvez não gostassem muito, mas era o que era. Era o melhor que eu podia fazer naquele momento. 

Assim, toda a vez que ouço a música "É tudo pra ontem" do Emicida, meu coração se preenche todo. É este o meu sonho, o maior de todos: partir, voltar e repartir

Como eu quero poder ir embora, meu Deus, porque sei que não nasci para morar aqui e você também. Mas quero vencer. Quero vencer suficientemente para poder ser a pessoa generosa e desprendida que eu nasci pra ser. Hoje sou mais, é claro. Depois de trabalho, dinheiros, idas e vindas, graças a Deus, o upgrade veio e acho que me tornei até mão aberta demais. Um desequilíbrio meio que justificável o qual estou contornando.  

Mas é meu objetivo de vida. Meu maior sonho. O maior de todos. Poder repartir. E repartir não digo nem coisas materiais, não sei. Quero poder ter o suficiente para viver de forma plena, feliz, sem preocupações e para poder doar meu tempo. Poder doar meu conhecimento. Poder fazer coisas significativamente boas e, talvez sim, grandes, para a comunidade de modo geral. Sim, eu quero demais impactar positivamente este lugar do qual preciso sair urgentemente, mas que amo, amo muito também. Amo cada rua. Cada esquina. Cada matéria palpável e impalpável daqui, que eu sei que me fizeram ser quem sou. E eu gosto de quem eu sou. Apesar de essa base estar meio frágil no momento, eu gosto.  

Quero ser generosa como a natureza

Acho que é um bom sonho. Acho sim. 

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