ela canta, pobre ceifeira...

Ah, poder ser tu, sendo eu!
Ter a tua alegre inconsciência
E a consciência disso! Ó céu, 
Ó campo, ó canção, a ciência
Pesa tanto e a vida é tão breve!
Entrai por mim dentro, tornai
Minh’alma a vossa sombra leve!...
Depois, levando-me, passai!..
(Fernando Pessoa) 


Este texto, infelizmente tem um quê de elitismo. Tem um quê do privilégio que me coube ter. Mas espero que eu consiga transmitir o que quero, sem a superioridade que não tenho nem jamais terei e que faço questão de destacar. 

Hoje ouvi, agorinha de pouco, da faxineira da casa de minha mãe, que eu precisava ir atrás de Deus e não de remédios para minha depressão. Infelizmente, é uma fala bastante difundida, pensei que seria poupada nessa vida de ouvi-la, mas, ao que parece, Deus não está me poupando de nada nesta minha encarnação. 

Lamúria feita. O que me chamou a atenção foi o discurso dela depois desse "procurar Deus" que ouvi, fato, aliás, que ela desconhece, porque sou uma pessoa de muita fé. Seguiu-se que Maria, esse é o nome dela, falou da rotina dela, de como ela é uma pessoa ativa, de como faz muitas e muitas coisas em seu dia, comparando seu modo de vida talvez ao meu, que, aparentemente, por estar sempre em meu quarto e no computador, decerto pareço não fazer nada, embora, ó meu deus!, eu faça. Estou sempre escrevendo, compondo. Trabalhando, não. Estou realmente adoecida para isso. Mas é isso, tenho todo o meu mundo, que é diferente do dela. Apenas diferente.

Maria realmente foi enfática em dizer quantas coisas faz, como acorda cedo, como tem sono e contou de novo a história de como uma médica (infeliz, realmente!), do posto de saúde lhe receitou fluoxetina sem nenhum critério, apenas por ela falar de certa tristeza que estava tendo e de como, após isso, ela ficou acamada. 

Saí de perto. Escolho bem minhas discussões e eu sei que ela jamais me entenderá e isso não é por nenhuma disfução cognitiva, não estou a chamando de burra, não estou insinuando nada, mas ela jamais me entenderá. Jamais entenderá a criança sensível que fui. A criança superdotada que descobri que fui e, pior, sem incentivo nenhum, e a adulta superdotada que sou. Friso aqui que não estou querendo pagar de gata, sempre gosto de deixar isso claro, foi apenas uma descoberta psicológica recente e a superdotação é algo que deve ser lido e intepretado para além do senso comum. Voltemos.  

Ela também não entenderá o quanto estudei. O quanto fui curiosa em minha vida toda. O quanto descobri do mundo e, enquanto o fazia, percebia a verdade da máxima "só sei que nada sei". 

A ignorância é, realmente, uma bênção. 

É triste ser estudada, ambiciosa e saber de todas as estruturas que me impedem de ascender e de conhecer coisas que só sei pelos livros, filmes ("sonho meu, sonho meu"). É triste entender o funcionamento da engrenagem. 

É triste entender o que aconteceu na minha vida e trabalhar para elaborar essas coisas. Sim, é triste a visão de Fabiano, que não conseguia dar nome ao que sentia. Mas, na minha visão, talvez seja ainda mais triste saber exatamente o que lhe aconteceu e lhe acontece. E, mesmo assim, ser incapaz de transpor suas dificuldades por causa de uma disfução química do seu cérebro.

Meu psiquiatra me explicando um pouco sobre a depressão, disse que, quando você chega a um certo estágio na química do cérebro, não há mais outras coisas que ajudem: meditação, chás, rezas, reiki, atividade física, enfim, todos esses métodos que são bons e complementares ao tratamento. Simplesmente, quando você chega a certo estágio de tristeza, só a medicação lhe fará sair disso. 

E eu já saí dessa condição. 

E sairei novamente. 

E eu sei que ela não teve a intenção de me magoar. Na verdade, nem magoou. Fiquei entristecida pelo senso comum. Que reina, reina, reina, brilhante como um Rei Sol. E o pior é que nem sei dizer se isso é bom ou mal? Eu gostaria que mais pessoas tivessem a consciência que tenho? Não sei. Sinceramente, não sei.  

Comments

  1. Se a dona Maria parasse um instante, em algum momento do seu atarefado dia, para de fato ler a Bíblia, veria que Jesus ensina a chorar com os que choram e se alegrar com o que se alegram.

    Ele jamais mandou alguém 'procurar Deus' como se estivesse distante. Pelo contrário, Jesus nos assegura: 'Estou aqui, ao seu lado. Passaremos por isso juntos.'.

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