devemos nos priorizar, certo, mas até que ponto?
A questão que coloco no início deste texto me surgiu agora. Os terapeutas dizem, com razão, que devemos nos colocar em primeiro lugar. Jamais discordarei disso. Somos as pessoas da nossa vida. Até minha mãe, certa vez, me disse: em primeiro lugar você, em segundo lugar você, em terceiro lugar você, embora ela não costume gostar muito desse conselho quando as coisas se tratam de nossa vida pessoal, mas isso não vem ao caso.
O caso é: sou uma pessoa com tendência a ser compreensiva. Por quê? Porque sempre quis agradar. Cresci num entorno complexo, então eu encarnaria a minha possível perfeição. Eu não seria mais um problema. Eu não atrapalharia. Eu queria manter a ordem. Eu queria que gostassem de mim e, para isso, tive que ser muito compreensiva. Até demais. Até não perceber quando estava sendo desrespeitada, como diz a frase que circula por aí. Vish, fui quase toda a minha vida a compreensivona. Até que um belo dia resolvi que... não. Ações têm reações.
É claro, sou empática. Me coloco no lugar das pessoas. Entendo que cada um tem sua própria vida e deve aproveitá-la, tomar decisões, agir de acordo com o que acha melhor para ela. Mas, e quando o seu divertimento, sua alegria, seu bem-estar esbarra com uma questão alheia? Com uma dor alheia? Há neutralidade possível?
Suponhemos que você saiba de uma fragilidade de uma pessoa amiga. No entanto, mesmo assim, tendo em vista que me coloco em primeiro lugar e devo me colocar em primeiro lugar, isso não importa tanto, porque a fragilidade é daquela pessoa, não minha. Será que não é um pouquinho sua, a partir do momento que você começa a chamar a outra pessoa de amiga? Será que estarmos em relações de amizade não implica estarmos minimamente preocupados com os sentimentos daqueles a quem damos esse título? Penso eu que sim. Ajo dessa forma.
Mas, agora há pouco, percebi que eu me vi compreensiva demais em algo que, porra, não... a pessoa não deveria se priorizar, pelo menos não num fucking primeiro momento! Sabendo de algo que me fragiliza. A pessoa, obviamente, pode fazer o que quiser. Mas se ela me considerava amiga dela, isso implica certa conduta, certa consideração, um pouquinho, um pouquinho sim, antes do divertimento e do bem-estar dela. Não é pedido de autorização. Mas consideração. CONSIDERAÇÃO.
Onde é que foi parar a consideração nesse mundo? "Ah, mas eu não tenho nada a ver com isso". Sim, você pode não ter nada a ver com certas histórias que lhe antecederam, mas a partir do momento em que você estabelece uma relação de amizade com alguém, há uma lealdade entre o seu "nada a ver com isso" e os sentimentos de quem você supostamente considera. Do contrário, não é amizade. É apenas você, priorizando o seu hedonismo, o seu "nada a ver com isso", o seu individualismo e, para o seu grande azar, perdendo um amigo.
A meu ver, há uma certa distorção nessa nossa priorização exacerbada dos nossos tempos. Novamente, sim, devemos nos priorizar, talvez tenhamos uma carência disso, por isso a exacerbação, aliás. Também sou vítima disso. Mas até que ponto? Até não ferir alguém que lhe considera. E que esperava a mesma consideração. Apenas consideração. Não autorização. Não automutilação. Mas consideração. Se você prioriza o seu "nada a ver com isso", antes da consideração do seu amigo, sinto muito lhe avisar, as situações não são tão neutras assim.
Acabei de perceber isso. Acho que é mais um sintoma das relações líquidas, não é, Bauman? (Olho para o céu).
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