a lição de violão
12h30, com a aula marcada para às 13h, eu estava com um sanduíche na mão, chorando, chorando e chorando. Minha mãe foi acudir e eu falei que estava com ansidade pela aula de violão e em todos os minutos que passei até às 13h, a ideia de talvez não ir estava lá, mesmo enquanto eu penteava meus cabelos e colocava minha roupa e pegava minha bag com bastante estranheza.
Minha mãe queria que eu explicasse o porquê da ansiedade. Eu disse que não sabia. Só saberia quando escrevesse. E daí tô aqui.
Eu não conseguia pegar no violão porque sentia uma tristeza enorme de ter sabido tocá-lo, estar indo bem em 2017, e ter precisado parar. Coloquei uma reverência gigantesca no objeto, de maneira que ele começou a me causar medo. Medo de ele me fazer doer, doer e doer de um modo que eu não fosse conseguir suportar, embora eu saiba que esse é um dos inúmeros monstros que assombram minha cabeça.
Enfim, em 2017, eu ouvia: "por que você tá fazendo isso?" / "por que tá gastando dinheiro com isso?". Fui mestranda sem bolsa e os cem reais das aulas mensais que eu fazia pareciam luxuosos para o meu irmão. Ademais, eu precisava que me levassem à aula, porque não dirigia (me botaram medo na época), e não foram poucas as aulas que perdi porque ele não estava lá no horário, apesar de saber do meu compromisso. Não consegui persistir. E essa desistência é uma dor que ainda sinto bastante pungente, tendo em vista o papel da música na minha vida. Eu queria ter continuado. Eu queria.
Em 2006, fiz aulas de contrabaixo. Pagava com o dinheiro que minha vó me dava, 50 reais. Fiz um ano. Quando a mensalidade subiu 10 reais, não consegui pedir à minha mãe que completasse o dinheiro. Decidi parar. Eu era essa pessoa. Já fui essa pessoa. Me entristece muito ter sido essa pessoa.
E, uma infâmia: minha priminha, ao me ver com o violão em 2017, ficou com vontade de fazer aulas também. Mas foi incentivada pelo meu tio, assim, anos mais tarde, eu, adulta, ficava um pouco ressentida ao vê-la tocar. E esse ressentimento ainda me causava culpa, porque "ora essa, onde já se viu você ficar ressentida por algo que você devia achar lindo, uma criança, sua prima, maravilhosa, talentosa!". E ela é maravilhosa e talentosa mesmo, hoje a vejo com um baita orgulho.
Mas eu era/sou humana, meu Deus.
Eu sou uma pessoa que acredita que tudo que acontece na hora certa. De verdade. E que nunca é tarde para iniciar qualquer coisa que seja. Mas o violão realmente se tornou um elefante branco, algo que me causava arrepios, algo que, confesso, ainda tenho ressentimentos. Às vezes, não sempre, fico incomodada quando vejo pessoas tocando e cantando em vídeos descompromissados. Fico feliz pelo talento, óbvio. Mas triste por mim. Se eu não tivesse parado. Esse é o único "e se?" da minha vida.
Por isso chorei com um sanduíche na mão e pensei em desistir em todos os segundos enquanto me arrumava. Mas fui. E fui melhor do que eu esperava.
Quase nunca falamos dos monstros que assombram os adultos. Sinto que deveríamos iniciar esse movimento: começar a entrar nas casas mal-assombradas das nossas mentes com o Padre Quevedo que habita em nós e gritar "QUERO CAFÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉ", digo..., "ISSO NON ECZISTEEEEEEEEEEEE!!!".
Edição: sinto que escrevi esse post um pouco às pressas e com menos profundidade do que gostaria. Que eu me lembre, eu precisava fazer algo logo em seguida, mas precisava também tentar entender todo esse pânico em torno desse algo que eu sempre quis e que estava me provocando reações tão ilógicas. Não sei se consegui. Lendo, acho que não.
Ter sabido algo e não saber mais me corroía. Sou uma perfeccionista chata. Sou minha algoz, de vez quando. Eu não lembrava de um acorde sequer. Era pra eu me lembrar de algum, não era? O André, que não tinha feito aula, sabia alguns acordes e tocava alguns sons. Eu me estremecia quando tocava nas cordas e não me lembrava de absolutamente nada. Eu tinha uma vontade imensa de chorar.
Sim, eu poderia ter continuado a praticar como autodidata, mas não tenho muita disciplina para isso. E quando parei, eu parei no desgosto mesmo, como se fosse um conhecimento que eu estava predestinada a não ter, como se fosse, de fato, um luxo que a minha pessoa não era digna de possuir. E eu esqueci a música. Só que ela não se esqueceu de mim. Ela sempre me dava um alô. E em todos esses alôs eu me ressentia, mas a vida tinha passado, eu tinha muitos compromissos, trabalho, miolos em estado de geleia, enfim. Até que a música voltou com tudo no ano passado. E eu não pude mais ignorar o violão que comprei por um impulso, num momento bastante frágil psicologicamente. E ele ficou lá. Me assombrando. Servindo de decoração. Eu sabia que um dia eu o tocaria novamente, mas não sabia em quais condições.
Não estou nas melhores, por isso essa sensibilidade toda. Dessa vez, sou forte para quem ninguém possa me dissuadir, porém, adiei algumas das aulas marcadas justamente por essa trava que contei no texto. Não estou das melhores, meu coração segue palpitando desordenadamente, mas vou persistir. Não estou das melhores, mas não aceito ter uma vida em que eu não seja uma violonista. Ponto-final.
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