Crueza

Quando, em Ribeirão, eu estava bastante triste com algumas questões pessoais, a Rafa foi certeira em me indicar a leitura de "Não me pergunte jamais", da Natalia Ginzburg. Disse que eu me identificaria. Terminei-o ontem e, ó-meu-Deus, como eu gostaria de não me identificar com seus escritos, mas não tem jeito, somos irmanadas de alguma forma. Penso isso de outros artistas também: Gilberto Gil, Raul Seixas, Frida. Somos todos um pouco irmãos, aliás, menos o Gil, que, para mim, é meu avô. Não importa, o que importa é que, sem dúvidas, sou muito irmã de Natalia. 

No início da leitura do livro, no ano passado, me impressionou muito a insegurança dela. Jamais imaginaria que a autora de "Léxico familiar" tivesse síndrome de impostora. E o pior: das feias. De se considerar burra ou inútil. Quanta crueldade com ela mesma! Como poderia? Como?

Ao longo da leitura, porém, pude conhecê-la melhor e, como num quebra-cabeças, juntei as peças deste e do que apreendi de "Léxico familiar", de modo que, hoje, posso dizer que o que me impressiona em sua escrita, que também é sua vida, é a crueza de seus relatos. Crua, crua, crua. Maravilhosamente crua! 

Ela não é um dos príncipes do poema de Álvaro de Campos. Ela conta muito bem suas infâmias. Suas covardias. Seu viver explícito, com emoções lindas e feias. Eram só emoções. E ela precisava expurgar. Que bom que o fez!

Muito se fala hoje em dia da coragem que há na vulnerabilidade. Posso jurar que Natalia talvez morreu sem saber o quanto era corajosa em confessar tudo o que confessou nesse livro. A raiva do pai, da mãe, da família em geral. As violências. A sensação de burrice e a raiva e a tristeza de sua inadequação perante as meninas da escola. A ânsia de querer ser uma delas. De ter nascido em outro lar. Poder ter sido de outro jeito. Mas não foi. Você foi você, Natalia. E você foi perfeita! 

E não sendo outra pessoa, Natalia, penso que também eu não posso me envergonhar de ser quem sou. Que também minha existência e minha voz importam neste mundo, que às vezes me faz pensar que não, com muito mais frequência do que deveria. 

Mas ele é que sempre esteve errado, Natalia. Desconsertado. Não nós. 

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